O ABC do Pico do Petróleo

O ABC do Pico do Petróleo
Por Luís Rocha

“(…) a produção a partir das reservas de petróleo convencional (…) está destinada a atingir o pico. (…)Assim, nós, e o resto do mundo, teremos sem dúvida de viver com as incertezas da geopolítica e de outras dos mercados petrolíferos.”
Alan Greenspan (Ex-Chefe da Federal Reserve)

“O mundo terá de se habituar a um preço do barril, penso, acima dos US$50, e terá de poupar energia”. (…)”Estamos à porta da maior crise energética mundial”(…)”Teremos de desenvolver outros recursos tais como a energia eólica, solar e nuclear — naturalmente com finalidades pacíficas”. (…)”A falta de imaginação nos Estados Unidos e a guerra no Iraque, que desestabilizaram o mercado no Médio Oriente, conduziram à alta de preços. (…)Todo o mundo está agora a produzir petróleo à sua capacidade máxima. Na Venezuela, por exemplo, não podemos produzir um único barril mais.” (…)”Os Estados Unidos por exemplo, com apenas cinco por cento da população mundial, utilizam 25 por cento do petróleo e dos combustíveis produzidos no mundo”
Hugo Chávez (Presidente da Venezuela)

“Há esta noção que a energia devia ser gratuita,”(…)”Nós nunca sentimos a necessidade de pensar sobre isso, pelo menos na nossa era. O argumento que eu defendi no meu livro de 2004 [High Noon for Natural Gas: The New Energy Crisis] é o mesmo argumento que eu sustento agora: a economia foi inventada sem pensar em energia. Por isso cá temos nós esta suprema ironia: um sistema chamado economia – um fluxo de dinheiro – que é realmente um fluxo de energia, mas ele nunca menciona a energia. Ele não tem a mínima ideia sobre energia.”
Julian Darley (Presidente do Post Carbon Institute)

“Demoramos 125 anos a extrair o primeiro trilião de barris de petróleo. Vamos usar o próximo trilião nos próximos 30 anos.”
Chevron corporation (Companhia Petrolífera)

Num contexto de oscilações, o forte aumento do preço de petróleo, devido às actividades especulativas, à invasão e ocupação do Iraque e ao aumento da procura mundial, contribuiu para esbater as pressões deflacionistas, mas condiciona a retoma económica e é um factor de risco adicional. Este aumento tem uma natureza estrutural, que decorre do aumento da procura mundial, mas deve-se também ao facto de estar a aproximar-se (ou ter-se já verificado) o pico da produção mundial deste recurso finito. Neste quadro, a gestão do controlo dos recursos petrolíferos e do gás natural é um problema grave que põe em causa o «modelo» energético das economias capitalistas e tende a tornar-se cada vez mais uma questão central de disputa das potências imperialistas, como foi evidente na agressão ao Iraque e ao Afeganistão ou na sua ingerência militar no Médio Oriente e no Cáucaso na mira do controlo do gás natural, do petróleo e do traçado dos principais oleodutos. Mas as dificuldades dos EUA em impor o seu controlo sobre o Iraque, associadas à instabilidade e imprevisibilidade geradas em toda essa região, tornaram-se noutro factor de peso para o agravamento do preço de petróleo e a volatilidade dos mercados financeiros.
Resolução Política (aprovada no XVII Congresso do PCP)

O que significa o Pico Mundial da Produção de Petróleo (abrev. “Pico do Petróleo”) a que a resolução do congresso do PCP se refere?

Pico do Petróleo refere-se ao momento em que a humanidade já não é capaz de produzir mais petróleo globalmente do que foi capaz no ano anterior. Quando acontecer o pico, as economias tenderão a contrair e encolher em vez de crescer (aqui na Europa, estagnadas já estão…), e o planeta poderá sentir um choque petrolífero global mais profundo que aqueles sentidos durante os anos 70 e 80.

Economicamente, politicamente e socialmente, os resultados poderão ser catastróficos se nós não mudarmos a maneira como o mundo funciona antes deste evento. As estratégias de mitigação do problema no entanto existem e podem ser concretizadas, mas não sem desafiar severamente a ordem económica e política dominante. Nomeadamente, o Pico do Petróleo põe em xeque a economia globalizada que conhecemos (90% do transporte mundial é à base de petróleo).

Wikipédia (tradução no sítio da ASPO-Portugal), a enciclopédia livre, explica a sua origem:

“O Pico de Hubbert deve o seu nome ao geofísico M. King Hubbert, que lançou os seus fundamentos teóricos. Em 1956 Hubbert previu correctamente o pico da produção de petróleo nos EUA com 15 anos de antecedência. Embora controverso, este modelo tem-se mostrado a cada ano que passa mais eficaz em modelar correctamente a exploração de petróleo. Ultimamente tem vindo a ganhar influência junto dos decisores políticos dos governos e da indústria do petróleo. Actualmente, raramente se debate se haverá ou não um pico, mas quando ocorrerá e qual a severidade dos efeitos posteriores.”

Será isto apenas uma teoria?

Existe também uma teoria, chamada de “petróleo abiótico”, que sugere que o petróleo é naturalmente reabastecido. A realidade crua dos números diz que esta teoria de um petróleo “renovável” é de um extremo absurdo. O facto é que os EUA (só para dar um exemplo) produzem menos petróleo todos os anos desde 1970. É um facto observado tanto cientificamente como economicamente que o petróleo se esgota. Mais de 30 países produtores já estão comprovadamente em declínio irreversível. O Mar do Norte por exemplo tem mostrado quedas de produção anuais entre 7 e 10%. Desde 1962 que o mundo descobre menos petróleo a cada ano e desde 1982 que as descobertas não cobrem o consumo. Hoje em dia, consumimos anualmente cerca de 4 barris por cada barril descoberto, estamos basicamente a viver do petróleo que já foi descoberto à décadas. O mundo está a mostrar sinais de formação de um “planalto” (estagnação que antecede o declínio) na produção de petróleo semelhante ao “planalto” que antecedeu o declínio que os EUA experimentaram durante os últimos 35 anos, como mostrado no gráfico Associação ASPO abaixo:

A produção dos EUA é a área verde claro no fundo. Nota o pico a volta de 1970.

Podemos simplesmente usar menos?

Nós teremos de viver com menos petróleo eventualmente. Contudo, enquanto ele não é simplesmente indisponível, cortar voluntariamente o consumo na economia seria o equivalente a um suicídio económico, tal como ela hoje está estruturada.

A nossa economia moderna está baseada na dívida/crédito, e tal economia tem de crescer para garantir que cada vez maiores futuros dividendos paguem a dívida de hoje. Uma economia em crescimento garante que nós não tenhamos que enfrentar a dívida de hoje ou a dívida do último ano, mas as economias só conseguem crescer usando mais energia. É necessário um complexo esforço de transição, um esforço de desmontagem da economia estruturada para a globalização, reconfigurando-a para um esforço de desenvolvimento económico endógeno, o mais auto-suficiente possível num processo de inversão da globalização que se chama “relocalização”. Isto está na contramão das concepções económicas dos actuais políticos, economistas e empresários.

À medida que passamos o pico do petróleo global e há menos petróleo para usar do que houve ontem, o nosso país (e o mundo) terá que lidar com os resultados descendentes da economia baseada na dívida. Esses resultados poderão ser tão extremamente descendentes como os resultados extremamente ascendentes nos últimos 50 anos na economia mundial.

E o petróleo é assim tão importante?

No seu consumo individual, as pessoas associam-no apenas ao transporte. Mas o petróleo está directamente presente também na electricidade, indústria química, farmacêutica, em todas as aplicações que usam plásticos, na agricultura industrial (pesticidas, maquinaria, os fertilizantes são à base de gás natural) e indirectamente presente em toda a economia. Cortar na gasolina ou em qualquer outro produto petrolífero é um exercício de futilidade devido ao paradoxo de Jevons, que diz que se uma dada pessoa ou uma parte do mundo usa menos petróleo, o petróleo poupado ficará disponível no mercado e será levado e consumido por uma outra pessoa ou uma outra região do mundo. O Estados Unidos e a China são dois bons exemplos de insaciáveis sorvedouros de petróleo mas há muitos mais.

A não disponibilidade forçada (por razões políticas) nos anos 70 e 80 do Século XX, levou à segunda crise mais aguda e catastrófica que o capitalismo mundial sofreu em toda a sua existência. O embargo da OPEP e depois do Irão aos países capitalistas avançados levou a subidas na inflação, desemprego e taxas de juro recorde no Século XX. Uma sequela ainda mais colossal foi a ruptura da estabilidade e supremacia do dólar, posteriormente durante os anos 80, se bem que também ajudada pelo gasto desmesurado na guerra do Vietname. As potências ocidentais nunca se sentiram tão ameaçadas pela falta de um recurso crítico para o crescimento económico. O surgimento em finais de anos 80 da produção nas recém descobertas províncias petrolíferas do Mar do Norte (na Europa), Alasca e Golfo do México (nos Estados Unidos) postergou a preocupação com este “calcanhar de Aquiles” do capitalismo.

E em Portugal não se fala disto?

O Governo português está tão longe de compreender esta questão que nem vale a pena falar nele. O problema é que não basta construir a maior central fotovoltáica do mundo ou aumentar muito o investimento na energia eólica (também porque é longe de ser suficiente, mesmo para produção eléctrica), tudo isso é muito positivo mas não resolve o problema dos transportes e da agricultura industrial altamente dependentes em petróleo, nem o problema de um comércio internacional disfuncional e de um modelo económico neoliberal sem futuro com o fim do petróleo barato. O estado português não reconhece o Pico do Petróleo e a sua postura demonstra que nunca o admitirá de livre vontade. O professor Rui Namorado Rosa explica bem porquê:

«As tendências históricas permitem duvidar da viabilidade da imposição voluntarista de limites ou objectivos pré-definidos – de consumo de energia e/ou de emissões atmosféricas – baseados na substituição de fontes primárias de energia e na inovação das tecnologias energéticas. Isso não chega. Pretende-se fazer crer que se fará por essas vias o que não se quer fazer nos planos social e económico, designadamente na contenção dos crescimentos económicos e demográficos. As políticas oficiais procuram transferir as soluções dos graves problemas civilizacionais para o plano técnico, aguardando resultados provavelmente impossíveis de alcançar ao ritmo desejado».

O PCP, Partido Comunista Português, é o único partido que reconhece a existência do “Pico de Hubbert” ou Pico do Petróleo. Se bem que importa ainda aprofundar politicamente a avaliação do mesmo.

Então e a energia alternativa?

A energia alternativa é excelente. As energias renováveis poderão salvar as nossas vidas, se nós tivermos sorte. Infelizmente as alternativas não são suficientemente intensivas em energia para aguentar o actual paradigma de crescimento económico perpétuo. Só o petróleo foi capaz de criar a quantidade e qualidade de energia que a humanidade requer para mover este mundo que construímos. Sem isso, nós vamos estar aquém, independentemente do sucesso que possamos ter com as alternativas. Este problema pode ser mitigado mas não simplesmente ultrapassado.

Crítico para avaliar as alternativas fósseis é perceber que nós também estamos a enfrentar uma crise no gás natural semelhante à vindoura crise do petróleo. Mudar para alternativas só depleta (esgota, termo relacionado com o declínio natural de um combustível fóssil) essas alternativas ainda mais depressa do que nós já a estamos a esgotar. A energia solar requer petróleo para o processo de minar silicone, prata e cobre. A nuclear requer urânio. A economia do hidrogénio é um conto de fadas. As alternativas não vão funcionar bem para o transporte, e isso porque continuamos a usar o petróleo para 90% da energia de transporte, hoje. Aqui, não há respostas fáceis.

Excelente e profundo tratamento desta questão é oferecido em:
http://www.lifeaftertheoilcrash.net/ ( ou na versão poruguesa – http://trintadefevereiro.planetaclix.pt/biblioteca/peakoil.html )

Quando vai acontecer o Pico do Petróleo?

As estimativas mais realísticas põem o pico entre 2007-2020. Alguns números altamente optimistas põem o pico em 2037 ou depois. Alguns altamente reputados especialistas em energia, como Matthew Simmons (um respeitado banqueiro de investimentos energéticos e ex-membro da task force de 2001 de Dick Cheney) acreditam que pode já estar a acontecer. O ministro do petróleo da Venezuela, Rafael Ramirez disse recentemente que previa o declínio irreversível mundial da produção petrolífera para 2012. Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e de Gás (ASPO em inglês) que reúne os principais cientistas e especialistas preocupados com a questão afirma que deverá ser em 2010.

Que fazer?

É preciso sublinhar que o movimento de divulgação e consciencialização das mais vastas camadas da população possíveis é a acção mais importante a tomar neste momento. Ninguém sobrevirá sozinho como um ermita a esta crise, é preciso divulgar, criar a consciência e desenvolver um forte movimento comunitário. A chave para a resolução da crise está na comunidade local, pois a economia terá forçosamente de se relocalizar quando o disfuncional sistema de comércio internacional apodrecer com preços de transporte incomportáveis.

Publicado originalmente em PCP Valongo

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